ASSUNTO PROIBIDO PELO REI ROBERTO CARLOS

Veja aqui, o trecho da biografia não autorizada de Roberto Carlos, que toca num assunto que ele tanto evita. O acidente na infância, mais precisamente aos 6 anos de idade, que lhe custou uma perna:
Naquele dia, Cachoeiro amanheceu sorrindo e em festa para saudar o seu santo padroeiro que, segundo a Igreja Católica, foi morto e crucificado nessa data em Roma, durante o reinado do imperador Nero, no ano 65 d. C. Era feriado na cidade, dia de desfiles, músicas, bandeiras, discursos, ruas cheias de gente e muita alegria. (…)
Como tantas outras crianças da cidade, naquele dia Roberto Carlos saiu cedo e animado de casa para assistir aos festejos. Era tanta badalação que muitos pais preparavam roupa nova para os filhos estrearem justamente nesse dia. Por isso Zunga (como Roberto era chamado na infância) estava ainda mais contente, porque iria desfilar com os sapatinhos novos que ganhara na véspera. E qual criança não fica feliz ao ganhar uma roupinha ou um novo par de sapatos? Logo que saiu à porta de casa, Roberto Carlos se encontrou com sua amiga Eunice Solino, uma menina da sua idade, que ele carinhosamente chamava de Fifinha. (…)
Pois naquela manhã os dois desceram mais uma vez juntos em direção ao local dos desfiles. Ao chegarem num largo, logo abaixo da rua em que moravam, já encontraram todos em plena euforia. Desfiles escolares, balizas e muitos balões coloriam o céu do pequeno Cachoeiro, ao mesmo tempo em que locomotivas se movimentavam para lá e para cá. Construída na época dos barões do café, no século XIX, quando a cidade era um paradouro de trem de carga, a Estrada de Ferro Leopoldina Railways atravessava Cachoeiro de ponta a ponta.
Por volta de nove e meia da manhã, Zunga e Fifinha pararam numa beirada entre a rua e a linha férrea para ver o desfile de um grupo escolar. Enquanto isso, atrás deles, uma velha locomotiva a vapor, conduzida pelo maquinista Walter Sabino, começou a fazer uma manobra relativamente lenta para pegar o outro trilho e seguir viagem. Uma das professoras que acompanhava os alunos no desfile temeu pela segurança daquelas duas crianças próximas do trem em movimento e gritou para elas saírem dali. Mas, ao mesmo tempo em que gritou, a professora avançou e puxou pelo braço a menina, que caiu sobre a calçada. Roberto Carlos se assustou com aquele gesto brusco de alguém que ele não conhecia, recuou, tropeçou e caiu na linha férrea segundos antes de a locomotiva passar. A professora ainda gritou desesperadamente para o maquinista parar o trem, mas não houve tempo. A locomotiva avançou por cima do garoto que ficou preso embaixo do vagão, tendo sua perninha direita imprensada sob as pesadas rodas de metal. E assim, na tentativa de evitar a tragédia com duas crianças, aquela professora acabou provocando o acidente com uma delas.
Diante da gritaria e do corre-corre, o maquinista Walter Sabino freou o trem, evitando consequências ainda mais graves para o menino, que, apesar da pouca idade, teve sangue-frio bastante para segurar uma alça do limpa-trilhos que lhe salvou a vida. Uma pequena multidão logo se aglomerou em volta do local e, enquanto uns foram buscar um macaco para levantar a locomotiva, outros entravam debaixo do vagão para suspender o tirante do freio que se apoiava sobre o peito da criança. Com muita dificuldade, ela foi retirada de debaixo da pesada máquina carregada de minério de ferro. “Eu estava ali deitado, me esvaindo em sangue”, recordaria Roberto Carlos anos depois numa entrevista. Mas naquele momento alguém atravessou apressado a multidão barulhenta e tomou as providências necessárias. “Será uma loucura esperarmos a ambulância”, gritou Renato Spíndola e Castro, um rapaz moreno e forte, que trabalhava no Banco de Crédito Real.
Providencialmente, Renato tirou seu paletó de linho branco e com ele deu um garrote na perna ferida do garoto, estancando a hemorragia. “Até hoje me lembro do sangue empapando aquele paletó. E só então percebi a extensão do meu desastre”, afirma Roberto, que desmaiou instantes após ser socorrido. Esse momento trágico de sua vida ele iria registrar anos depois no verso de sua canção O Divã, quando diz: “Relembro bem a festa, o apito/ e na multidão um grito/ o sangue no linho branco…”, numa referência à cor do paletó que Renato Spíndola usava no momento em que o socorreu. (…)
Naquela mesma manhã, no hospital da Santa Casa, o médico aplicou uma anestesia local de novocaína no acidentado e deu início à cirurgia. (…)
Na época, em casos semelhantes, era comum fazer a amputação da perna acima do joelho, prática mais rápida e segura. Mas Romildo tinha acabado de ler um estudo americano sobre ciência médica que explicava que os membros acidentados devem ser cortados o mínimo possível. Assim, a amputação da perna do garoto foi feita entre o terço médio e o superior da canela – apenas um pouco acima de onde a roda de metal passou. Essa providência fez com que Roberto Carlos não perdesse os movimentos do joelho direito e pudesse andar com mais desenvoltura.
* livro "Roberto Carlos em Detalhes", de Paulo César Araújo.

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